Cabe observar também que, dentre as muitas diferenças que existem entre os espaços de arte independentes ou autônomos em todo o Brasil, existem alguns pontos de divergência significativos que merecem ser considerados. Vou me ater a falar dos extremos, mas tenha em mente a existência de nuances:
- Quanto à permanência: há espaços que buscam, por distintos motivos e formas, instituírem-se diante de uma comunidade específica, ou mesmo da sociedade como um todo, através de uma programação contínua comprometida com o fomento da produção artística, a formação do público e/ou a pesquisa, dentre outras abordagens. Sendo assim, procuram constantemente aprimorar suas práticas organizacionais e seus modelos de financiamento. Por outro lado, muitos espaços de arte não nascem do desejo de longevidade, caracterizando como zonas autônomas temporárias ou projetos de arte[1] – muitas vezes ocupações temporárias e subsequentes de espaços de terceiros, sejam eles privados ou públicos –, frequentemente sem maiores interesses no aprimoramento da autogestão ou do modelo organizacional.
- Quanto aos conteúdos: já há décadas a produção artística contemporânea vem demonstrando seu desejo de articulação com outras disciplinas – sejam linguagens artísticas ou mesmo campos do conhecimento. Nos últimos anos, um movimento pela derrubada das barreiras entre as linguagens artísticas vem ganhando corpo, não somente dentro do campo das artes visuais, o que refletiu sobre a cena independente. Muitos espaços de arte já nascem multidisciplinares, frequentemente unindo as artes cênicas, a música, a literatura e o cinema às artes visuais, dentre outras mesclas. Outros, ainda, são voltados exclusivamente para a arte contemporânea.
- Quanto à mobilidade: quando um espaço de arte tem o formato de um projeto de arte, ele não necessariamente depende de uma sede própria para se realizar. Certamente, a dificuldade em arcar com as contas de um espaço físico que se configure como sede de uma iniciativa coletiva em arte estimulou a criação de muitos projetos “móveis”. Existem iniciativas que fazem uso de dispositivos móveis, ou seja, veículos adaptados para a realização de atividades específicas. As ocupações, se entendidas como um formato e realizadas de forma subsequente, podem ser considerados espaços de arte “móveis” também. Ou ainda, festivais que aconteçam dentro de uma periodicidade. Por outro lado, existem as iniciativas que mantém espaços físicos, onde podem acolher uma variedade de atividades de forma contínua.
Quanto ao uso do termo “independente”, ou mesmo “autônomo”, para além de seus significados enquanto palavras descontextualizadas, este declara, a meu ver, a liberdade para se auto-organizar segundo as intenções compartilhadas pelo grupo e um código de conduta e conjunto de valores próprios que, em geral, defendem o autogoverno da arte. O termo também posiciona estes espaços de arte como contrapontos às instituições – em geral ainda inelásticas, tomadas por suas limitações relacionadas à gestão, às políticas de acesso, à forma como se relacionam com seus públicos e colaboradores, aos conteúdos produzidos, à estrutura física e aos privilégios concedidos – e ao mercado de arte, como força movida por valores e interesses que nada tem a ver com a arte.
Assumindo a necessidade de dar visibilidade aos espaços de arte independentes, dou preferência ao termo “independente”, ao invés de “autônomo”, por seu uso corrente dentro do campo cultural, associado a outras linguagens artísticas: o cinema independente, o teatro independente, a música independente, a publicação independente.
NOTA DE RODAPÉ
[1] O termo em inglês “project space” faz referência justamente às iniciativas que se configuram como projetos.